sexta-feira, novembro 23, 2007

Auto-estima Não é Narcisismo




Encantarmo-nos connosco próprios não só é normal como desejável. Mas ter fantasias de grandeza e omnipotência revela que, no fundo, há em nós uma grande falta de amor.
Capazes de aguentar e produzir o que quer que seja, de orientar, apoiar e satisfazer toda a gente, os narcisistas orgulham-se da sua força e dureza. Com muita necessidade de serem admirados, controlar tudo e todos e continuamente empenhados em obter gratificações, esforçam-se por ter uma vida respeitável no campo profissional e no sentimental.
Mas, como muitas vezes não têm consciência de um certo vazio que os habita, tudo lhes sabe a pouco. E quase sempre estão insatisfeitos.
Dizem os entendidos que, com frequência, se trata de pessoas interiormente desamparadas e frágeis que, não se tendo sentido amadas durante a infância, sem disso se aperceberem passaram a achar-se não merecedoras de afecto. E, ao caminharem pela vida fora, a nível inconsciente procuram defender-se dessa sensação de frustração relacionando-se com pessoas poderosas, fortes, eficientes, ricas, que de uma forma ou de outra se destacam, são respeitadas e admiradas. Entretanto, esquecem-se de que a única coisa que verdadeiramente lhes falta é amor.

Amor com amor se paga

Mágoas profundas, traições de amor precoces, quem não as teve? Há porem, casos em que, desde criança, esse sofrimento foi de tal maneira controlado que apenas conseguimos valorizar-nos à superfície de nós mesmos. Não ao nível da nossa essência. E, então, não há em nós suficiente disponibilidade para nos relacionarmos com os outros numa base que não seja a do poder. A do pragmatismo -que, por vezes, subtilmente resvala para o oportunismo. Talvez, desde crianças, tenhamos aprendido a chamar a atenção dos outros e a conseguir afecto através de atributos como, por exemplo, a inteligência ou a beleza. E, usando-os para conseguir que os outros nos admirem, fomo-nos habituando a encará-los como a única defesa contra a dolorosa sensação de não ser mos amados. Poderemos, nesses tempos longínquos, ter ocupado uma posição marcante na família, por exemplo sendo o filho mais bem dotado, do qual se espera que realize as aspirações familiares e a quem teria sido atribuído precisamente esse papel. Natural é, por isso, que tenhamos sido excessivamente estimulados nesse senti do sem que, ao mesmo tempo, tenha havido alguém próximo disponível para nos acarinhar ou apoiar. Aprendemos, assim, naturalmente a controlar as emoções e a investir as nossas energias numa imagem pública idealizada, com a qual nos identificamos e que nos vai levando a endeusar tudo o que represente poder

Investir na imagem
Envolvidos num manto de superioridade mas com as suas fragilidades anestesiadas, os narcisistas aparecem aos outros como se nada temessem.
Vivem, no entanto, dependentes de uma fachada. E, de olhos fechados para a realidade do que são, vão caindo num saco sem fundo, para onde arrastam os muitos outros que facilmente atraem. Cheios de charme, sedutores, agradáveis, simpáticos e inteligentes, hábeis na aproximação física e no relacionamento sexual, é fácil aparecerem-nos como capazes de corresponder aos nossos sonhos - sobretudo se tivermos sonhos de grandeza. Capazes de nos dar a ilusão de um amor que, no entanto, não passa de utopia.
E, nos momentos em que estão no ponto mais alto do seu impulso, parecem, de facto, vibrar. Acontece porém que, ao olharem para nós, não é como pessoas reais que nos vêem, mas sim como imagens -que admiram ou não. Objectos capazes de dar -ou não -corpo a um sonho. No fundo, só estão interessados pelo que lhes falta. Preocupam-se tanto consigo mesmos que não se apercebem das necessidades dos outros.

Do Sonho à Realidade
Os Narcisistas não amam. Manipulam. Nada de real dão, por isso, àqueles com quem se relacionam. Podem, sim – e, sem dúvida, não são poucos – levá-los a que se encontrem com o vazio que em si mesmos também existe. Muitos são os que mantêm casamentos que, embora sendo apenas de fachada, conseguem resistir à erosão do tempo. Só que no dia em que o império se desmorona, àquilo que foi vivido com paixão segue-se o desapontamento. O desfazer de algo que, passado o seu tempo de glória, até parece que nunca existiu.
Pródigos também em casos sentimentais rápidos – com pessoas atraentes e bem dotadas, mas de quem mantêm sempre uma certa distância -, os narcisistas têm dificuldade em aguentar uma relação baseada em trocas afectivas reais.

Por Maria José Costa Félix em Revista Xis de 22 de Outubro de 2005

terça-feira, novembro 20, 2007

A boneca

— Não leves sempre essa boneca suja contigo para a cama — disse a mãe de Eva.
— A minha Anita não é nenhuma boneca suja. — respondeu Eva —A minha Anita é muito querida.
— Mas está muito feia — continuou a mãe. — Olha só para a cara e para os cabelos dela!
Quando se olha para a boneca Anita, assim, sem se gostar dela, tem de se admitir. Bonita, não é. As bochechas estão cinzentas e a esboroar-se de tantos beijos e tantas lavagens. Já não tem propriamente um nariz, apenas uma saliência suja, e dos cabelos castanhos já só ficou um pequeno tufo de cabelos ralos.
Isto não incomodava Eva, mas a mãe dizia-lhe constantemente:
— Não queres pedir uma boneca nova pelo Natal? — perguntava-lhe.
Eva apertava a Anita contra si e dizia:
— Não!
— Tenho outra ideia — disse a mãe. — Vamos levar a Anita a um hospital de bonecas e lá põem-lhe cabelo novo e outro nariz.
Eva defendia-se. Não queria entregar a Anita.
Mas, certo dia, Alex, o irmão mais velho, disse uma coisa feia, uma coisa muito má. Disse:
— A tua boneca é um careca tinhoso!
Eva desatou a chorar. Depois, observou a sua Anita pela primeira vez com olhos de ver. Era verdade! A cara da Anita estava cheia de nódoas e a descamar-se, e quase totalmente careca.
Eva correu para a mãe.
— Achas — disse a soluçar — que no hospital das bonecas vão ser bons para a minha Anita?
— Mas claro que sim! — sossegou-a a mãe.
— Então… Por mim, podes levá-la…
Logo na manhã seguinte, a mãe foi ao hospital das bonecas. Era o único na cidade, pois já não havia muita gente que mandasse consertar bonecas.
No hospital das bonecas, um homem examinou a Anita.
— Tem pouco que se aproveite. Precisa de uma cabeça nova, e os braços e as pernas também deviam ser substituídos.
Apresentou à mãe diversas cabeças de bonecas, mas não havia nenhuma que fosse igual à da Anita.
— Além disso — continuou o homem — a reparação custa mais do que uma boneca nova.
A mãe de Eva procurou em todas as lojas de brinquedos uma boneca que, pelo menos, fosse mais ou menos semelhante à antiga Anita. Acabou por comprar uma do mesmo tamanho e com os mesmos cabelos castanhos. No resto, a nova boneca era um pouco diferente, mas encantadora, e tinha uma cara que se podia lavar com água.
Quando chegou a casa com as duas Anitas, a nova e a velha, Eva ainda estava no infantário. Mas Alex já tinha vindo da escola e descobriu a caixa no cesto de compras da mãe.
— Aha! — disse. — Compras de Natal!
— Uma boneca nova para a Eva — respondeu a mãe. — Mas ela não pode saber. Tem de pensar que é a sua Anita.
— Aha! — disse Alex. — Mentiras de Natal!
— Não sejas atrevido — disse a mãe. — É o melhor para a Eva.
— Deixa-a lá ficar com o careca tinhoso — disse Alex.
A mãe arrumou a caixa com a nova boneca no armário da roupa.
— Estou contente por nos vermos finalmente livres daquela coisa tão estragada.
Atirou a Alex o saco de plástico com a antiga boneca.
— Toma — disse. — Mete-a no contentor do lixo, mas lá para o fundo.
Alex pegou na boneca e saiu do quarto a assobiar baixinho.
Desde que a Anita desaparecera, Eva perguntava por ela todos os dias.
— A minha Anita ainda está no hospital? O homem é simpático com ela? Ela não tem saudades? Vou mesmo voltar a tê-la pelo Natal?
E a mãe respondia sempre:
— Sim, Eva. Com certeza, Eva. Não te preocupes, Eva.
Para a noite de Natal, a mãe de Eva vestiu à nova boneca o vestido da Anita e pô-la debaixo da árvore. Com o vestido vermelho, achava a mãe, ficava mesmo parecida com a Anita.
Mas, quando estendeu a boneca a Eva e disse:
— Ora vê como ficou linda a tua Anita! — Eva não aceitou e cruzou as mãos atrás das costas.
— Não! — gritou. — Essa não é a minha Anita!
E olhava decepcionada para a nova boneca:
— Eu quero a minha Anita… a minha Anita! — e começou a chorar baixinho sem parar.
A mãe não contara com isto e tentou consolar Eva. Mostrava-lhe outras prendas, levava-a à árvore de Natal, mas Eva mantinha os olhos baixos. Não queria ouvir nada nem ver prenda nenhuma.
— Anita! — queixava-se a menina. — Onde puseram a minha Anita?
Disse então Alex:
— Se ela não receber de volta a careca tinhosa, vai estragar-nos a festa de Natal.
— Mas… — balbuciou a mãe — tu deitaste…
— Achas? — perguntou Alex.
Correu ao quarto e regressou com um saco de plástico que meteu nas mãos de Eva.
— Anita! — gritou Eva, tirando do saco a velha boneca careca.
Alex sorria.
— E o que vais fazer agora à boneca nova?
— Esta? — perguntou Eva. — Vou dá-la a uma menina que eu não conheça.
— A uma menina… — repetiu Alex. — Ah, claro. Ela não pode ficar a saber que tens uma boneca careca fantástica!

Clube de Contadores de Histórias
Projecto: Abrir as portas ao sonho e à reflexão

Tradução e adaptação
Tilde Michels
Anne Braun (org.)
Weihnachtsgeschichten
Würzburg, Arena Verlag, 1991

segunda-feira, novembro 19, 2007

Medo na infância


Se existe uma fase do desenvolvimento infantil em que é normal a criança demonstrar medo (do escuro, de animais, etc.), o grau em que este se vai manifestando na sua vida diária depende da forma como os adultos mostram e explicam (ou deixam por explicar) o mundo à criança.


Por exemplo, existem pais que vêem perigo em tudo o que rodeia a criança e que esta não pode mexer um braço ou uma perna que eles já estão a gritar "Cuidado!". Esta forma de agir mostra à criança que o mundo é um local inseguro e ameaçador.


Por outro lado, existem pais que não deixam a criança experimentar a sua autonomia, que lhe dizem que ela não deve, não pode e/ou não sabe fazer. Com esta atitude retiram-lhe todo o prazer de descobrir novas situações, novos objectos, novos comportamentos, e transmitem-lhe que ela não é capaz de realizar nada como deve ser. Já não é o mundo que é um local ameaçador, a criança é que é incapaz de lidar com ele.


A última forma de agir tem danos maiores para a auto-estima, mais directos e rápidos, enquanto que a primeira bloqueia o desenvolvimento da criança e a exploração que esta faz do mundo, sendo consequentemente afectada a sua auto-estima, mas por falta de experimentação.


Também a falta de explicação sobre a forma como o mundo funciona pode deixar a criança insegura, pois não consegue descodificar todas as mensagens complexas que vê e ouve no seu dia a dia.


A transmissão de conhecimentos coerentes e verdadeiros sobre o mundo envolvente ajuda a criança a compreender o mundo em que vive, e, consequentemente, a ganhar segurança para lidar com ele, propicia o desenvolvimento da auto-estima, da auto-confiança e do auto-conceito.


Na internet existem diversos artigos sobre este tema, entre os quais gostaria de destacar o seguinte link: