sexta-feira, outubro 09, 2009

OS SARIS DA MINHA MÃE

Quando poderei vestir um sari? — perguntei à minha mãe, saltando para cima da sua cama.
A minha mãe pegou numa mala de couro, dentro da qual guarda todos os seus saris, e que está sempre debaixo da cama. A mala contém o sari de cetim amarelo que ela usou na festa do bebé da Uma Didi, o sari cor de pêssego, que é fino como uma teia de aranha, e o meu favorito, o sari vermelho do seu casamento. Só o vi uma vez, porque está cuidadosamente embrulhado num velho lençol de cama.
— Podes vestir saris quando fores mais velha — disse a minha mãe, abrindo a mala.
— Mas hoje faço sete anos e vamos ter uma festa! Por isso é que estás a usar um sari.
A minha mãe só abre esta mala em dias especiais. A mãe dela, a Nanima, usa um sari todos os dias, mesmo quando dorme. As dobras e os recantos dos saris da Nanima estão cheios de segredos. Neles encontro moedas, alfinetes de segurança, e o seu odor permanente a sabonete de sândalo.
A minha mãe corre o fecho da mala e eu tento absorver todas as cores que ela encerra.
— Ajudas-me a escolher um sari? — pede.— Claro que sim — respondo.
Talvez ela me deixe escolher um também.
— Que tal me fica este? — pergunta, segurando um sari cor de púrpura junto do rosto.
— Oh mãe, pareces uma beringela — rio.
— E este?
A minha mãe desenrola um sari de seda preta que brilha como um céu estrelado.— Esse não, porque já o usaste na festa de anos da Devi Masi.
— Não acredito que te lembres disso tudo!Mas é verdade que me lembro de todos os saris que a minha mãe usou. Ainda me lembro do sari cor de lavanda, que ela vestiu na festa do Diwali, e do sari cor de magenta com veados bordados, que ela vestiu no dia em que a Nanima nos fez a primeira visita.
A minha mãe fica lindíssima com saris. São tão diferentes das camisolas cinzentas e das calças castanhas que veste todos os dias para ir trabalhar.
— E este? — pergunto, apontando para um sari que nunca tinha visto.Parece uma bola de fogo laranja e as pontas vermelhas parecem ter sido mergulhadas em tinta vermelha. A minha mãe sorri:— Usei esse sari no dia em que te trouxemos do hospital.
Todos os teus tios e tias vieram dar-te as boas vindas.— Veste-o hoje outra vez!A minha mãe desenrola-o e molda-o ao corpo. O sari brilha como o sol poente.Olho para as minhas roupas e sinto-me desinteressante em comparação.
— Porque não posso usar um sari?— Os saris são para mulheres adultas. Mesmo que o dobrasses várias vezes, acabarias por tropeçar nele.
— Nunca me deixas fazer nada. Ontem, disseste-me que não podia ir para a escola com sapatos de festa, embora todos os dias calces tacões para ir trabalhar.
— Porque não usas a tua chanya choli? — sugeriu.
— Disseste-me que os espelhos da saia te faziam parecer uma princesa.
— Não quero. Já tenho idade para usar um sari. Já não preciso de luz de presença no quarto e consigo servir-me de leite de manhã sem entornar uma gota. A minha mãe ficou calada durante algum tempo.
Depois disse:— Lembro-me da primeira vez que usei um dos saris da minha mãe. Senti-me tão crescida!
— Por favor, mamã, deixa-me escolher um — sussurro. — Até sei qual quero usar.
— Bem, estás a ficar mais alta e talvez consigamos segurar as dobras com muitos alfinetes. Mas só vestes o sari hoje, porque fazes anos.
— E posso vestir outro quando fizer oito anos? Nessa altura, já serei tão alta como tu!
A minha mãe ri e começa a mostrar-me os saris, um a um. Quando só resta um no fundo da mala, exclamo:
— É esse mesmo! O azul com flores douradas nas pontas.
— Põe-te de pé em cima da cama — pede a minha mãe.Depois, começa a enrolar o sari em volta do meu corpo. Quando tento ver-me ao espelho, avisa:
— Espera, ainda não estás pronta!
De uma latinha em forma de coração que tem no armário, tira algumas pulseiras em ouro. Coloca seis no meu braço, que caem no chão a tilintar quando o estico.
— Temos de pedir à Nanima que nos envie pulseiras que condigam com este sari — brinca a minha mãe.
— Já posso ver-me ao espelho? — peço.
— Só mais uma coisa — responde a minha mãe, abrindo uma gaveta da cómoda.
Dela retira uma pequena caixa que contém alguns bindis de cores e feitios diferentes. Pega num prateado e coloca-o bem no meio das minhas sobrancelhas.
— Já podes olhar.
Debruço-me sobre o espelho, pegando no sari com cuidado.
— Que tal?
Sinto-me a flutuar num oceano de azul. O material reluzente faz-me brilhar. É tão bonito que digo, dedilhando a borda do sari:
— Acho que estou parecida contigo, mãe!
Pooja Makhijani; Elena GomezMama’s SarisNew York, Hachette Book, 2007
(Tradução e adaptação) * * * * *

quarta-feira, outubro 07, 2009

A afectividade entre mãe-bebé, a construção da realidade psicológica da criança e as consequências da ausência afectiva maternal aquando da entrada das crianças nos Infantários


Maria de Fátima Oliveira
fa.oliveira@clix.pt
Licenciada em Psicologia da Saúde – Universidade Lusíada do Porto, Portugal.
Doutoranda em Psicologia pela Universidade de Extremadura, Espanha2006

Idioma: Português
Palavras-chave: Afectividade, relação mãe-bebé, ausência afectiva maternal, cuidados maternos, holding, handling, object-presenting

O nascimento da vida psíquica num bebé começa na relação que é estabelecida com a mãe.
De acordo com o pediatra Inglês – Winnicott – os cuidados maternos adequados são indissociáveis do bebé e garantia de uma boa saúde mental. Segundo ele, um lactente isolado não existe: quando encontramos uma criança, encontramos cuidados maternos. Acrescenta, por outro lado, que o rosto da mãe é o primeiro e único verdadeiro espelho da criança.

A relação mãe-bebé está correlacionada com o processo de maturação da criança. As primeiras experiências intersubjectivas desenvolvem-se num banho de afectos, (S. LEBOVICI, 1983).

A mãe comunica os seus afectos interpretando as necessidades e desejos do bebé. Para isto, ela utiliza as suas capacidades de empatia, que lhe permitem perceber os estados afectivos do bebé.
Segundo B. Brazelton, o que caracteriza a interacção típica entre uma mãe e o seu bebé é a sua natureza cíclica, com a alternância de períodos durante os quais a criança fixa intensamente o rosto da mãe e períodos em que o evita, fechando os olhos ou desviando-os ligeiramente.

Winnicott distingue três séries de actos nos cuidados que a mãe prodigaliza à criança:

O Holding que corresponde ao amparo da criança pela mãe, ela suporta-o, assegura-lhe um continente corporal graças ao seu próprio corpo dela no espaço.

O Handling reenvia para os cuidados e manipulações da criança pela mãe, que ao faze-lo, lhe proporciona sensações tácteis, cinestésicas, auditivas e visuais.

O Object-presenting corresponde ao modo de apresentação do objecto; assim através da mãe, a criança tem acesso aos objectos simples, depois a objectos progressivamente mais complexos e finalmente à sua dimensão.

A mãe partilha com a criança pequena um pedaço do mundo à parte mantendo-o suficientemente limitado para que a criança não fique confusa e aumentando-o muito progressivamente de forma a satisfazer a capacidade crescente da criança fruir do mundo, (Winnicott, 1957).

A relação de objecto da criança com a mãe, objecto de Amor, define a afectividade relacional. Há ainda um enquadramento dessa afectividade num estado afectivo geral, que pode ser alegre ou triste, tranquilo ou ansioso, agitado ou instável.

A criança aprende a conhecer o ambiente e o seu conteúdo através da interacção dinâmica com a mãe. No início assiste-se a uma díade relacional e posteriormente com a introdução do pai, uma tríade relacional de afectos, cada um com a sua função na construção psico-emocional da criança.
Diria que a relação objectal com mãe será a plataforma psíquica na qual a criança constrói a sua identidade social.

Se existirem bons alicerces, esta construção será harmoniosa e estável, se não for bem conseguida, a construção citada, a criança pode porventura apresentar alguns problemas psicológicos e muitas vezes problemas psicossomáticos.

A criança começa a percepcionar a Vida através da primeira relação social que é com a mãe.
Brazelton observou que o lactente é capaz de antecipar uma inter-relação social e que, quando as suas tentativas não são satisfatórias, ele utiliza uma diversidade de técnicas para tentar implicar a sua mãe.
Margaret Malher, que ao estudar a cria do Homem durante o seu desenvolvimento e na sua interacção com a mãe, esta propõe a teoria da existência de um processo de separação/individuação que conduz a criança a uma representação de si própria clara e distinta e posto isto, a uma autonomização da vida psíquica.

Existe unanimidade entre todos os autores que estudam o Desenvolvimento da criança, que a interacção mãe-bebé é crucial pois determina o aparecimento e o início da vida psíquica e permite à criança uma construção de estrutura mental e emocional.

No entanto, acontece que na actualidade assiste-se a uma “despersonalização maternal” do vinculo afectivo entre mãe-bebé, dado que é pratica comum e social, as mães terem que colocar os seus bebés, geralmente por volta dos 4 meses quando acaba a licença de parto, em creches e infantários, para que esta possa trabalhar.

Será que os serviços materno-infantis existentes cumprem a sua função de as crianças terem necessidade de se relacionar com pessoas privilegiadas e afectivamente disponíveis?

É uma questão pertinente que nos leva a uma atitude reflexiva acerca desta problemática.

Concluindo e citando João dos Santos:

“Não quero negar a necessidade de creches, mas penso que para que se promova um desenvolvimento psicomotor, afectivo e intelectual favorável é necessário preservar a criança das perturbações que resultam duma relação perturbada com a mãe ou com a Instituição que o recolhe durante as horas de trabalho da mãe. Porem, a ideia hoje divulgada é a que existência do infantário resolve todos os problemas da criança.Nunca em nenhuma sociedade os problemas do bebé puderam ser separados do problema da mãe e da criança.A função maternal pode ser exercida pela creche, se o seu pessoal for composto de pessoas autênticas, integradas por técnicos com formação profissional adequada.Um técnico vale mais por aquilo que é, do que por aquilo que sabe (S. Nacht).É também verdade para todos os técnicos que trabalham com pessoas, quer elas sejam crianças ou adultos, mas hoje o que faz com o pessoal é mais para valorizar o que eles sabem do que o que eles são.Finalizando, para que uma creche possa exercer a sua função maternal, é necessário que ela se alimente e viva de uma forte participação das mães…”
Bibliografia consultada:
Benony, Hervé., O desenvolvimento da criança e as suas psicopatologias, Climepsi Editores
Boubli, Myriam., Psicopatologia da criança, Climepsi Editores
Branco, M.E.C., Vida, Pensamento e Obra de João dos Santos, Livros Horizonte: Lisboa
Gueniche, K., Psicopatologia descritiva e interpretativa da criança, Climepsi Editores

Coração de Mãe


Mais um livro irresistível do planeta tangerina...

Passem pelo site e descubram este delícia.

Quando Eu Nasci


É quando nascemos que começa a grande aventura! Do respirar, do provar, do sentir... Pelas páginas deste livro desfilam algumas das descobertas que nos fizeram (e fazem) espantar.
Editora:planeta tangerina
Texto: Isabel Minhós Martins
Ilustrações: Madalena Matoso
site: http://www.planetatangerina.com

Decreto - lei da I.P

Foi ontem publicado o Decreto-Lei nº 281/2009, através do qual foi criado o Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância.

Para ver basta clicar no link: http://pt.legislacao.org/primeira-serie/decreto-lei-n-o-281-2009-social-intervencao-snipi-criancas-183499