terça-feira, julho 24, 2007

Para a cama!

Um dos principais problemas que enfrenta a família ao instituir as rotinas clássicas resvala na falta de sentido ou noção do tempo por parte das crianças
As crianças aprendem, pela própria prática, algumas rotinas que as acompanharão durante boa parte da infância, com escassas variantes.
Para conseguir a incorporação destes hábitos é fundamental que os pais dêem pautas claras, já que as instruções contraditórias ou muito variáveis impedem a criança de compreender quando é necessário respeitar as ordens e quando podem solicitar as excepções.
Os pais e as pessoas que cuidam da criança são quem introduz as rotinas, e têm uma influência decisiva na organização infantil. Não obstante, a carência da noção do tempo por parte das crianças pode dificultar a tarefa.


Perdidos no tempo
Os bebés vão aceitando, pouco a pouco, a divisão do seu dia em dois grandes ciclos: o tempo de sono e o tempo de vigília.
Dentro desses ciclos, rapidamente se diferenciam outros dois aspectos: o de satisfação e o de necessidade, geralmente ligados à sensação de uma barriguinha cheia ou vazia.
Para compreender a particular maneira como as crianças vivem a passagem de tempo, é conveniente pensar numa situação semelhante à de um adulto no deserto.
Sem sinais, este viajante imaginário estaria perdido. O espaço que visualiza é aparentemente igual. Há areia e dunas por todo o lado, e o céu tão pouco anuncia limites.
Muitos exploradores que finalmente encontraram a sua saída confessam ter caminhado em círculo sem nenhuma orientação, apesar de gozar da função de todos os sentidos. Assim, como os extraviados no espaço, podemos imaginar as crianças "perdidas no tempo".



Tempos modernos
Hoje em dia, coexistem numa mesma família ritmos e rotinas diferentes. Além disso, a ordem do lar é bem diferente da de algumas décadas atrás.
A mesa servida ao meio-dia em ponto, a hora das crianças irem para a cama, o dia para se cortar o cabelo ou ir fazer visitas, já não existem como algo fixo e tradicionalmente aceite.
Nestes tempos de mudança, algumas rotinas que representavam verdadeiros momentos de união familiar suprimiram-se. A expansão da televisão como uma protagonista mais dentro da vida quotidiana significou uma revolução na ordem comunicativa e na organização familiar.
O programa da família cruzou-se, de imediato, com programas impostos pelo exterior, e muitas rotinas quebraram-se ou desapareceram porque são contrárias aos novos hábitos, agora regidos pelos horários dos programas de televisão.


Fora de tempo
Os pais que trabalham todo o dia conhecem muito bem este sentimento tão especial que mistura a obrigação e o direito de se realizar pessoalmente, com a culpa e a pena por perder o contacto com os filhos.
Pode existir um juízo menos preparado para exercer a autoridade que alguém que se sente assim? Além do mais, as crianças maiores de três anos, embora tenham aprendido os gestos sedutores e os protestos acompanhados por choro, são adversárias difíceis de vencer.
Estes opositores infantis, obstinados, encantadores e irritantes alternadamente, têm nos pais "culpados" insuspeitos aliados.
Interiormente, os adultos justificam a contrariedade das crianças, poderíamos dizer que "lhes dão razão". Os pais sentem, de algum modo, a ânsia por satisfazer os seus próprios desejos: porque não um pouco mais?




Um pouco mais...
O poder paterno e materno dá lugar às permissões especiais, às excepções, e abre a possibilidade tão gratificante de ver o resplendor dos sorrisos dos que são desculpados, e de receber os beijos e abraços dos pequenitos que gozam do indulto.
Nesses momentos, os pais sentem que o tempo para desfrutar dos filhos é breve e que esse espaço de gratidão e prazer não custa realmente nada, apenas uma permissão extra "por esta vez".
No entanto, é importante ter em conta que se as instruções dos pais não são claras ou se contradizem, às crianças tornar-se-á difícil perceber quando é necessário respeitar as ordens e quando podem solicitar as excepções.
Na incerteza própria da evolução somam-se assim as incertezas que fomentam os princípios da educação exageradamente flexíveis. Àquele viajante do deserto que imaginávamos soma-se-lhe um contexto privado de orientação, com sinais confusos, enganadores e imprevisíveis.



Almas em conflito
Muitíssimas acções que os pais realizam para felicitar ou corrigir os filhos são relativamente simples. Em geral, a simplicidade provém da falta de oposição infantil.
À medida que os filhos crescem e a sua personalidade se vai estruturando, os pais encontrarão dificuldades mais ou menos sérias para fazer valer os seus critérios perante eles.
Sabe-se que estas formas de conflito familiar são inevitáveis, já que provêm da particular relação que se estabelece entre pessoas adultas e pessoas em formação.
Muitas vezes dizemos que alguém tem uma personalidade infantil quando pretende obstinadamente realizar os seus desejos sem aceder ao razoável nem aceitar os argumentos dos demais.
Efectivamente, são estas as características que prevalecem durante grande parte da infância: os mais pequenos são ansiosos e intolerantes, carecem de paciência e devem ainda aprender a esperar.

Com opinião própria
Quando têm menos de três anos, as crianças respondem às negativas dos seus pais com espantosas birras e choros ou ofendidos amuos.
Embora estas reacções sejam muito aparatosas, não representam ainda uma conduta incorrigível que faça temer problemas agravados no futuro.
O realmente comovedor e desconcertante para os pais é a atitude das crianças capazes de expressar um argumento e opor-se com uma postura (mais ou menos lógica) às indicações adultas.
Geralmente, qualquer papá ou mamã que com carinho dá uma ordem ao seu filho, sabe resolver um conflito provocado pelas crianças que ainda não raciocinam.
No entanto, aos mesmos pais pode ser complicado opor-se a crianças que expõem o seu modo de ver as coisas.



Decisões democráticas
Se os pais se propuseram conseguir a participação dos pequenitos através de uma educação democrática, as suas metas em comum têm de incluir a compreensão dos processos que conduzem a certas atitudes de rebeldia ou desafio à autoridade ou à sensatez dos mais velhos.
Na realidade, estas condutas respondem tanto à imaturidade infantil como à relação com os pais e com as autoridades da escola.
Ao argumento esgrimido pela criança deverá opor-se outro, neste caso dos adultos. Mas, para que seja aceite pela criança, o argumento do adulto deverá contar com os ingredientes necessários.
Sem estas condições, a questão converter-se-á num diálogo estéril. Diz-se que o que não sabe argumentar grita, e isso é, efectivamente, o que acontece quando aumenta o nível de confrontação e tudo pode terminar na imposição dos pais e a forçada obediência dos filhos.
Isto não seria grave se não fosse porque, muito possivelmente, esta cena desagradável para todos se repetirá uma e outra vez a menos que se quebre o circuito da incompreensão.



Para a cama!
Ao contrário dos adultos, os pequenitos são de rápida recuperação. Nem todas as crianças dormem 8 a 10 horas, e podem estar muito despertas ou muito sonolentas na hora de se levantarem para irem para a escola.
Os mais dorminhocos não têm interesse em despertar apesar dos frequentes chamamentos da mamã, e os truques habituais como pôr música fracassam perante a chamada do sono.
Além do mais, ainda que se levantem obrigados, o rendimento durante a manhã não costuma ser o melhor. Estas situações são um bom exemplo de que as horas dedicadas ao descanso e à recuperação de energia são insuficientes.
Para conseguir um clima que estimule as crianças a ir para a cama, é fundamental que exista pelo menos uma hora antes de enviá-los para dormir um período de calma e baixa dos estímulos.
Devido ao facto de alguns jogos, como os electrónicos e ainda os corporais entre irmãos e pais serem particularmente excitantes para os mais pequenos, deverão evitar-se na hora de ir dormir, o mesmo que o computador e a televisão, já que tão pouco são inocentes quando de estímulos se trata.



O terceiro excluído
Entre os três e os seis anos, em plena etapa do popular "complexo de Édipo", as crianças resistem a deixar os pais sozinhos porque intuem sobre a sua intimidade e desejam interferir.
O papá e a mamã aproveitam para trocar os seus mimos na hora a que estão mais relaxados por terem terminado as suas obrigações diárias, e provavelmente ambos estejam à espera deste momento para estar juntos.
É fundamental para a personalidade das crianças e para a sua integração social que experimentem sobre si mesmas o carinho dos seus pais, mas é igualmente importante que os vejam a trocar gestos de amor entre eles.
Além do mais, pode ser contraproducente pretender que a criança vá dormir justamente a meio destas cenas, porque o sentimento de ser o "terceiro excluído" será mais forte.


Copiar a natureza
A natureza dispôs sabiamente a descida paulatina da luz e os sons quando, ao entardecer, o crepúsculo precede a chegada da noite.
Também o amanhecer é um crescente despertar e não há nada abrupto no repetido ciclo do dia e da noite. Parece que a preparação prévia é necessária tanto para adormecer como para acordar, e o mundo animal e o vegetal ensinam-nos muito se aprendermos a observá-lo.
As crianças também necessitam de receber sinais claros e constantes que indiquem que a actividade está para cessar ou começar. Assim será mais fácil para elas adequar-se às rotinas e convertê-las em hábitos saudáveis.
O relógio biológico humano também necessita destas rotinas para que o organismo consiga adaptações não traumáticas e reservar assim o máximo da energia útil.



A adaptação à mudança
Muitos pais não entendem a enorme diferença que existe entre a capacidade de adaptação dos adultos e das crianças.
Os adultos são capazes de abandonar o computador e preparar-se para ir ao cinema em poucos minutos, ou mudar o programa previsto cancelando um convite ou indo dormir.
As crianças não têm ainda a capacidade para resolver satisfatoriamente as mudanças repentinas. Se estão excitadas por estímulos diversos custa-lhes muito desprender-se deles com tranquilidade e sem mau humor.
Por isso, necessitam de certos passos prévios que lhes anunciem, não só através das palavras mas também de factos visíveis, as coisas que estão para acontecer.
Quando estes sinais prévios mudam a cada dia ou demasiado rápido, os pequenitos experimentam sensações semelhantes às do nosso explorador perdido.
Se as horas para ir dormir ou realizar as refeições principais variam frequentemente, o relógio biológico falhará, a incerteza impedirá a estruturação dos horários e perturbará a personalidade da criança.



As rotinas
As crianças necessitam de receber sinais claros e constantes que indiquem que a actividade está para cessar ou começar.
Assim, será mais fácil para elas adequar-se às rotinas e convertê-las em hábitos saudáveis. Antes que as crianças aprendam a ler o relógio pode-se armar uma esfera simples (de cartolina de diferentes cores) para lhes ensinar as "porções" em que se divide o dia.
Vê-lo graficamente pode fazê-las compreender e aceitar melhor as rotinas quotidianas. Nesse relógio primário marcar-se-ão também os sectores de tolerância, como podem ser os que antecedem o almoço, o jantar e o descanso.



Alguns conselhos para optimizar as mensagens
- As palavras não serão suficientes se não tiverem um suporte real em que as crianças se possam apoiar para entender.
- O ideal é ensiná-las desde pequenas que o dia e a noite foram criados para realizar diferentes actividades.
- É útil explicar-lhes que todos necessitamos de descansar para poder brincar, estudar e estar contentes.
- É oportuno assinalar a conduta dos animais aproveitando as visitas ao jardim zoológico, e explicando que cada um tem os seus tempos para dormir e estar acordado.
- Mediante a observação é possível ensinar as crianças a diferenciar as rotinas dos cachorros e dos seus pais, e permitir-lhes entender que os adultos permanecem despertos muitas vezes, enquanto cuidam dos seus filhos, assim como acontece com a sua própria família.
- Desde muito pequenas as crianças podem compreender a diferença entre a semana e o fim-de-semana (que geralmente têm rotinas muito diferentes), se os pais os habituam a identificar um e outro. Fazer estas distinções favorece a aquisição de rotinas especiais sem criar a ideia de desorganização.


(fonte:bebe.sapo)

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