segunda-feira, novembro 16, 2009

A importância do ato de tocar

Armando Correa de Siqueira Netoselfpsicologia@mogi.com.br "Psicólogo e psicoterapeuta; desenvolve projetos e trabalhos para crianças e adultos, tendo por base o autodesenvolvimento e a psicologia preventiva. "2004Idioma: português do Brasil Palavras-chave: Toque, carinho, socialização, comunicação e desenvolvimento.
Resumo
O ato de tocar é um comportamento que pode conter alguns elementos fundamentais para o desenvolvimento do ser humano, principalmente as crianças, desde a vida intra-uterina, proporcionando bem estar físico, emocional e social. A qualidade do toque na vida infantil pode gerar tendências positivas no decorrer do seu crescimento, levando-a a formação de uma personalidade terna e amorosa.

Introdução
Este trabalho apresenta algumas idéias acerca da importância do ato de tocar, desde os primeiros e fundamentais momentos de nossa existência e dentro do processo do viver, continuamente, atribuindo a este contato o valor extraordinário de desenvolvimento que lhe é pertinente, físico, emocional e social.
A pesquisa histórica bem ilustra o quanto se perdeu por tanto tempo na não observância deste elemento colaborador: o toque. Contudo, ao tomarmos contato com os levantamentos já realizados, nos surpreendemos, a ponto de estimular a nossa vontade de enriquecer as nossas vidas através do simples comportamento de tocar cada vez mais o outro, com carinho e amor.

A importância do toque
Conforme Montager (1988) no século dezenove, uma grande quantidade de bebês morria durante o primeiro ano de vida, geralmente de marasmum, (do grego: definhar). Na década de vinte nos Estados Unidos a taxa de mortalidade para bebês com menos de um ano em diversas instituições e orfanatos era muito próxima a cem por cento.
Em 1915 o Dr. Henry Dwight Chapin, um pediatra famoso de Nova Iorque, relatou assustadoras informações sobre bebês com menos de dois anos de idade que morriam, excluindo uma única instituição que não seguia esta regra. Dr. Chapin introduziu o sistema de externato para os bebês do orfanato, ao invés de deixá-los definhar na aridez emocional das instituições. Foi contudo, o Dr. Fritz Talbot, de Boston, que trouxe a idéia do "Cuidado Terno, Amoroso", que ao visitar a Alemanha, após a Segunda guerra mundial, ficou muito impressionado ao observar na clínica de crianças em Dusseldorf que mantinha um padrão de higiene e beleza para acomodar as crianças, mas que apesar disto, quando uma criança não respondia aos tratamentos médicos; esta era entregue aos cuidados de uma ama, que cuidava dos bebês com carinho e os mantinha próximo ao seu corpo, promovendo na maioria dos casos a recuperação destes.
Em pesquisas realizadas após a Segunda guerra mundial, ficou evidente que a causa do marasmo estava relacionada à falta de amor e no tocar as crianças. Tais evidências se apresentavam por meio de crianças que conseguiram superar as dificuldades de privação material, mas que por outro lado, recebiam amor de mãe em abundância, e, em contrapartida, lares e instituições considerados “favoráveis”, do ponto de vista de recursos materiais, porém, onde a mãe não era boa, apresentaram o marasmo. Através dos resultados das pesquisas percebeu-se que para as crianças se desenvolverem bem, elas precisam ser tocadas, acariciadas, levadas no colo, conversar carinhosamente com elas. A criança resiste à ausência de muitas outras coisas, desde que exista o toque amoroso.
Supõe-se que para o bebê pequeno, segundo Montager (1988) o mais importante são as sensações da pele e a sensação cinestésica (sensibilidade aos movimentos) e são acalmados prontamente com palmadinhas leves e com calor, e choram em resposta a estímulos dolorosos e ao frio. É por meio de seus receptores localizados nas articulações musculares que o bebê recolhe as mensagens, a respeito do modo como o pegam, mais do que apenas a pressão exercida sobre a pele, que lhe transmitem o que sente por ele a pessoa que o está carregando.
O bebê discrimina adequadamente, de forma parecida ao adulto, o caráter de uma pessoa a partir da qualidade do seu aperto de mão. Os bebês nascem com este sentido cinestésico e, se levarmos em conta as experiências pelas quais passam em seu início de vida; podemos inferir sobre a idéia de que uma parte do modo como o comportamento se coloca corporalmente se devem à estimulação exteroceptiva da pele; por eles percebidos.

Tocar e sentir
Observar, ver é uma forma de tocar a distância, mas é por meio do tocar que verificamos e confirmamos a realidade. O tato atesta a existência de uma realidade objetiva, no sentido de que é alguma coisa fora, que não eu mesma. As pontas dos dedos do bebê lhe fornecem a existência de um universo, levando-o ao desenvolvimento da consciência de seu próprio corpo e o da mãe, constituindo o seu meio primário e fundamental de comunicação; a sua forma de entrar em contato com outro ser humano, estabelecendo-se ai a gênese do toque humano.
Os bebês sempre emitem comportamentos com a finalidade de manter o seu contato com a mãe. Quando o bebê é frustrado nesta busca de contato acaba por valer-se de outros recursos, tais como chupar seus dedos, agarrar parte de si mesmo, balançar-se. Estes comportamentos são uma regressão à estimulação pelo movimento passivo que experimentou na vida intra-uterina. Os seres humanos se tornam adultos ternos, amorosos e carinhosos a medida em que recebem muitos cuidados em seus primeiros anos de vida.

O valor da massagem
A massagem é uma forma ampliada de tocar com qualidade, proporcionando descanso em partes ou no corpo todo. A massagem é bastante adequada aos bebês, uma vez que saíram de sua posição fetal e precisam alongar os seus músculos, abrir as juntas e coordenar seus movimentos, habilitando-o melhor para as habilidades físicas. Ela ainda beneficia a freqüência cardíaca, a respiração e a digestão.
As mães encontram ganhos positivos nestes contatos, a exemplo da ajuda que ocorre na secreção de “hormônio da maternidade”; a prolactina, que auxilia na produção de leite e na capacidade de relaxar. As mães acabam se sentindo mais seguras através da percepção de sua capacidade em proporcionar benefícios para o bebê, obtendo deles boas respostas.
Shantala é o nome da técnica de massagem para bebês usada há milhares de anos na Índia. Foi o Dr. Frederick Leboyer, obstetra francês que observou, em Calcutá, uma mãe massageando seu bebê e trouxe ao mundo ocidental tais informações. Encantado com a força do momento, batizou a seqüência de movimentos com o nome daquela mulher: Shantala; que é uma arte de dar amor e uma técnica

O toque na vida social e afetiva do bebê na visão Piagetiana
Rodrigues (1989) nos diz a respeito do período "sensório-motor" de Jean Piaget, “na vida social e afetiva do bebê de 0 a 2 anos de idade, onde há os sentimento interindividuais – Com o domínio da noção de objeto permanente, há uma separação do eu corporal, em relação ao outro, dando início a um sistema de trocas sociais e afetivas. Essas trocas, porém, não são genuinamente sociais, pois são calcadas, sobretudo, na imitação de gestos. Assim, a imitação do ato da mãe de tocar o rosto do bebê gera-lhe prazer e leva a criança a repetir este gesto na própria mãe.”
De acordo com Bee (1997) o contato imediato após o parto parece aprofundar a capacidade de a mãe (e talvez também do pai) responder em relação ao bebê. Alguns psicólogos acreditam que a capacidade de formação de vínculo social é resultado da maturação e que deve ocorrer algum relacionamento logo no início da vida da criança se quiser que esta seja capaz de, mais tarde, formar vínculos significativos.
Os bebês têm que sugar com vigor para que o leite continue a ser produzido em boa quantidade. As mães devem ter o desejo de amamentar. Uma mãe que amamente por sentir que deve e não porque o queira irá sentir-se tensa. Quando as mães se acham perturbadas, os bebês também mostram sinais de aflição. Por outro lado, os bebês de mães tranqüilas tendem a ser calmos. A saúde emocional da mãe e do bebê é mais bem proporcionada por tudo que gere maior prazer entre ambos.

O bebê sinaliza as suas necessidades por meio do choro ou do sorriso, reagindo conforme os pais respondem aos seus apelos, levando-o ao colo, acalmando-o. Tais comportamentos são fundamentais para a formação de vínculos e estabelecimento de elo afetivo familiar, que é uma segunda etapa, posterior ao contato inicial pós-parto.
Com relação a bebês prematuros e com baixo peso, que correspondem a vinte milhões do nascimento anual no mundo, um terço deles morre antes de completar um ano de vida. Tal fato levou muitos estudiosos (Charpak, 1997) a pesquisas e discussões permanentes, obtendo respostas que sinalizam o contato da pele entre o bebê prematuro e sua mãe; o que se denominou de método “Mãe Canguru“ representando um modelo eficaz de atendimento a este bebê com relação à melhoria da qualidade de vida. O recém-nascido é retirado da incubadora e permanece junto ao colo da mãe, com a cabeça encostada no seu coração, favorecendo os batimentos cardíacos, a temperatura e a respiração. Além de manter o bebê inclinado, impedindo o refluxo do alimento para o pulmão e permitindo um maior contato com a mãe, viabilizando o aleitamento materno, que alimenta o bebê e protege-o contra infecções.
Na visão de Winnicott (1993) encontramos que a capacidade das mães em dedicar a seu filho toda a atenção que ele precisa, atendendo suas necessidades de alimentação, higiene, acalanto ou no simples contato sem atividades, cria condições necessárias para a manifestação do sentimento de unidade entre duas pessoas.
Da relação saudável que ocorre entre a mãe e o bebê, constitui-se a subjetividade do sujeito, conforme Winnicott (1999), ao se referir ao desenvolvimento emocional-afetivo da criança. No primeiro ano de vida, o bebê mantém uma relação visceral com a mãe, onde ele a considera como uma extensão de seu próprio corpo, até acontecer à divisão do “não-eu” e do “eu” do bebê. Para que haja uma boa formação psíquica deste bebê, é preciso que esta mãe e o ambiente que lhe cerca sejam suficientemente bons, Winnicott, evitando assim “falhas” ou carências, que podem gerar grande ansiedade, que por sua vez, pode comprometer a constituição da sua subjetividade.
Encontramos ainda em Winnicott (1982) que, a mãe, ao tocar, manipular o bebê, aconchegá-lo, falar com ele, acaba promovendo um arranjo entre soma e psique e, principalmente ao olhá-lo, ela se oferece como espelho onde o bebê deve se ver. A forma como esta mãe olha o bebê (expressão facial) devolve a ele a sua imagem corporal, como forma de comunicação.
O ato de tocar se insere em alto grau de importância desde a convivência gestacional e posterior a ela, onde o contato da mãe com o seu bebê; já implica em momentos favorecedores na formação da criança. O toque imediato após o parto, estabelecendo o vínculo entre mãe e bebê; o toque na amamentação, gerando trocas positivas entre ambos, e evitando a tensão que possa ocorrer conforme o estado emocional presente, e ainda, a geração de bem estar na mãe, ao perceber o tipo de ajuda favorável que oferece ao seu filho. Encontramos também o valor do contato entre mãe e bebê prematuro assinalado no método Canguru, o qual demonstra os benefícios obtidos deste tipo de relação inicial.
No campo físico, o tocar viabiliza o bom funcionamento da respiração e digestão, entre outros pontos. No desenvolvimento psíquico e social fica evidente a relevância do tocar, principalmente se através dele, é possível estabelecer um vínculo melhor entre a mãe (ou quem cuida) e o bebê, gerando assim uma tendência na criança, de criar e manter outros vínculos mais seguros ao longo de sua vida social. O bebê, por encontrar um contato desta magnitude em sua formação inicial, vai formando uma personalidade sadia e percebe o mundo de forma agradável, sentindo-se aceito e bem quisto com o passar do tempo, formando então, uma boa auto-estima, instrumento imprescindível na conquista do mundo que vai se desvelando conforme avança em seu crescimento e na manutenção das relações que vai estabelecendo com as outras pessoas.
A comunicação é fator relacionado ao tocar, uma vez que o bebê percebe, por meio de respostas de contato com o outro, a forma como é tocado, mediante os seus apelos de cuidados. O contato da relação proporciona as impressões de comunicação dos dois lados: mãe e bebê, os quais, acabam interagindo, cada vez mais, conforme avançam nesta troca, levando, conseqüentemente, a constituição do sentimento de unidade.
Encerramos este trabalho, certos de que há a necessidade de tocarmos com carinho os bebês no cotidiano e, conseqüentemente, a criança que se desenvolve posteriormente. É possível ainda compreender, dentro da perspectiva de contínuo desenvolvimento, que o tocar é importante para o jovem, o adulto e o idoso, que são apenas um ser humano, em suas diferentes dimensões com relação ao tempo. Este tocar carrega em si numerosos benefícios em forma de estímulos que geram um melhor desenvolvimento físico, emocional e social, potencialmente gerador de uma personalidade terna e amável no adulto posteriormente. O que talvez esteja emperrado no momento seja a falta de hábito e não, pura e simplesmente, o desconhecimento sobre o tema e suas conseqüências. O trabalho necessário por hora é o de agregar estas duas informações, uma teórica (informação) e outra prática, despertando a necessidade do hábito (o tocar), aumentando a chance das crianças quanto a um melhor desenvolvimento.
Referências
BEE, Helen. O ciclo vital. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1997.
CHARPAK N, Figueroa Z, Hamel A. El Método canguro. Colombia Bogotá: Interamericana-McGraw-Hill, 1997.
FARIA, Anália Rodrigues. O desenvolvimento da criança e do adolescente segundo Piaget. São Paulo: Editora Ática, 1989.
MONTAGER, Ashley. Tocar: O significado humano da pele. São Paulo: Editora Summus, 1988.
WINNICOTT, Donald Woods. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1982.
________. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
________. A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

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