segunda-feira, junho 02, 2008



criança desenvolve-se por um processo que abrange o seu corpo, a genética da espécie humana e os contextos nos quais ela viverá. Esse processo inicia-se com a família, com a cultura de seu país, com os espaços que irá freqüentar desde seu nascimento. Por isso, dizemos que a natureza do desenvolvimento humano é sempre biológica e cultural.
O desenvolvimento biológico tem duas dimensões: a externa e a interna. Assim, a espécie humana tem determinadas características em seu desenvolvimento físico que incluem não só o que percebemos no exterior — por exemplo, a fala, o aumento do peso, a estatura, a mudança das feições, das características sexuais e da voz —, mas, também, o que é interno e não podemos observar diretamente, como é o caso do cérebro.
O cérebro coordena a vida da pessoa. Ele recebe e processa as informações colhidas do meio ambiente pelos sentidos. É nele que estão contidas a nossa memória, as nossas experiências e aprendizagens. É também o órgão que controla várias funções físicas, além de ter como componente o sistema límbico, no qual se originam as emoções.
Nos últimos anos, aprendemos muito sobre o desenvolvimento do cérebro da criança desde a gestação até os seis anos de vida. Esses conhecimentos nos levam a considerar que o cuidado e a educação são aspectos de um processo global na formação da criança pequena, no qual a cultura tem um papel fundamental. Esse período de desenvolvimento é muito importante porque é quando o cérebro possui o que chamamos de grande plasticidade. Plasticidade é uma facilidade maior de estabelecer conexões entre as células nervosas em comparação com a idade adulta.
A criança pequena pode fazer várias coisas e apreender muitos conhecimentos, como: da natureza, de si própria, do seu corpo, das brincadeiras, das formas de expressar sentimentos e emoções, das outras pessoas, dos hábitos de sua família, das cores, dos cheiros, das textura, da luz, do movimento etc.
A cultura, a natureza e os outros seres humanos constituem, em princípio, a mola propulsora do desenvolvimento da criança. Em outras palavras, o desenvolvimento do cérebro não é autônomo e independente do meio: o que a criança realizar na sua vida cotidiana, desde o nascimento, contribuirá para o desenvolvimento das funções cerebrais. A quantidade e a qualidade dos conteúdos aprendidos são, dessa forma, função do meio.
Como se desenvolve, então, a criança pequena?
A criança tem um desenvolvimento integrado. O desenvolvimento físico está intimamente relacionado ao psicológico e ao cultural. Isso quer dizer que ela é uma pessoa com personalidade própria que se torna membro de um grupo com base nas experiências que tem em seu meio. Essa relação com o meio será estabelecida, por sua vez, pelas possibilidades determinadas pelo desenvolvimento biológico.
O desenvolvimento físico segue a linha da evolução da espécie humana, ou seja, a criança apresenta certas constâncias. Por exemplo:
todo bebê começará a estender o braço para pegar objetos com a mão a partir dos três meses de idade;
toda criança começará a andar no segundo ano de vida, às vezes, um pouco antes;
toda criança aprenderá a língua falada no seu meio;
toda criança sorrirá e aprenderá a usar o sorriso de acordo com sua cultura;
toda criança começará a desenhar por um risco ligeiramente curvo até chegar a fechar a linha e traçar uma linha circular. Depois poderá traçar linhas retas e ângulos que se aperfeiçoarão até chegar às figuras geométricas.
A possibilidade de realizar esses feitos está ligada ao amadurecimento do sistema nervoso e não se antecipa pelo treinamento. Na verdade, adiantar essas realizações da criança pode trazer prejuízos para o seu desenvolvimento.
Muitas vezes o que a criança adquire naturalmente com base na cultura e nas relações com o meio é inserido no “currículo” da creche ou da pré-escola. Um exemplo ilustrativo é a identificação das cores e a aprendizagem dos seus nomes.
Todo ser humano percebe as cores do meio e aprende os nomes que elas recebem, indo ou não à escola. Uma criança na Floresta Amazônica reconhece muitos tons de verde, diferentemente de uma criança esquimó, que aprende a identificar “muitos brancos” pela presença da neve e do gelo.
Descobrir a diversidade das cores — como misturar cores primárias, diferenciar tons das cores secundárias, modificar as escalas de tons com a adição do branco — é uma experiência que não acontece na vida cotidiana e que deve ser feita na escola. Ela tem como resultado o desenvolvimento da percepção da criança.
Daí o significado da escola na vida do indivíduo: ampliar e apresentar novas formas de atividade, de pesquisa e de descoberta que não são oferecidas de forma direta pela vivência na família e na comunidade.
O amadurecimento do sistema nervoso na criança pequena
A partir do nascimento são ativadas determinadas áreas do cérebro, de forma que, no terceiro ano de vida, a sua configuração está muito próxima ao cérebro adulto com relação às várias partes ativas.
A intensa atividade que se verifica nos primeiros dois anos de vida permite que a criança desenvolva a noção de si mesma como um corpo diferenciado no espaço e como um indivíduo autônomo, separado dos outros. Caminha, assim, na formação de sua identidade e de sua personalidade. Nesse período, ela também apresenta um grande crescimento físico e realiza a herança da espécie: põe-se de pé e começa a andar.
Uma grande aquisição da criança nesse período é, sem sombra de dúvida, a linguagem, que pode ser realizada por meio da fala ou da libras (linguagem de sinais). O desenvolvimento da oralidade, acompanhado pelo enriquecimento do vocabulário, fará da criança pequena um ser comunicativo em potencial.
Acrescentada aos outros sistemas de comunicação, a linguagem traz à criança a possibilidade de ter uma participação maior no mundo cultural. Ela cria um campo comum de comunicação entre o adulto e a criança.
Ao final de seu terceiro ano de vida, com o domínio do corpo, com a autonomia na locomoção e com as bases da fala formadas, a criança inicia um período em que “a preocupação principal” é a de “absorver” o mundo. Há, nesse momento, um componente biológico muito forte: no cérebro de uma criança circulam o dobro de glicose e de sinapses se comparado ao de um adulto. Biologicamente ela está “pronta e disponível” para aprender muito e para se expressar de várias formas.
A criança, em seu quarto ano de vida e nos dois a três anos que se seguem, realizará tarefas bem complexas, como desenvolver e ampliar a função simbólica.
Uma descoberta importante das Neurociências é que várias atividades da vida cotidiana, como brincar ou ouvir música, têm um profundo sentido educativo. Elas levam ao desenvolvimento de “redes neuroniais” de grande resiliência, que poderão ser acionadas em aprendizagens posteriores, inclusive as escolares. A experiência musical tem comprovada importância no aprendizado na área de matemática, por exemplo.
A imaginação
Vários aspectos são importantes para o desenvolvimento da criança: o tempo, o espaço, a comunicação, as práticas culturais, a imaginação e a fantasia, a curiosidade e a experimentação. Destacaremos aqui a imaginação.
Os primeiros anos de vida do ser humano são especiais para o desenvolvimento da imaginação. Contrariamente ao que se pensa, a criança pequena desenvolve sua imaginação e faz isso com base nas experiências que acumulou desde o seu nascimento.
As idéias de que a “imaginação infantil é fértil” e “a criança tem muito mais imaginação do que o adulto” devem-se fato de as ligações feitas pelas crianças das imagens percebidas e guardadas na sua memória obedecerem a leis diferentes do pensamento do adulto. Poderíamos dizer que há maior liberdade nas conexões feitas pelo pensamento infantil do que pelo adulto.
A criança é capaz de desenvolver conexões entre as coisas que observa no mundo, as ações do outro e suas conseqüências e a relação entre elementos da natureza. Ela está, portanto, em um processo de vinculação de fatos, informações, sentimentos e atitudes. Nele, a criança experimenta e transmite impressões e imagens, expressando-as pelas atividades plásticas, pela linguagem e pelo movimento corporal.
A riqueza expressiva da criança pequena é uma das razões pelas quais pensamos que ela tem uma “imaginação fértil”. Mas é preciso lembrar que o desenvolvimento da imaginação depende do meio em que a criança se encontra e das possibilidades dadas a ela para experimentar, conhecer e explorar os elementos ao seu redor.
A atividade da criança nesses primeiros anos gera, como já foi dito, impressões e vivências que farão parte do acervo de sua memória. Essas impressões e vivências envolvem tanto o movimento como os cinco sentidos: audição, tato, visão, paladar e olfato.
Como há uma grande disponibilidade biológica para se registrar impressões nos primeiros anos de vida, poderá haver um grande desenvolvimento da imaginação. Esta acompanhará a pessoa por toda sua vida, diversificando-se das chamadas aprendizagens formais.
Mas não é só em relação a essas aprendizagens que a imaginação é importante. Na vida cotidiana e no ato criador, a imaginação é elemento-chave. Percebemos, portanto, que o desenvolvimento da imaginação tem a diversidade como regra e está ligado ao desenvolvimento da própria memória.
Para a vida futura, o desenvolvimento da imaginação na infância é fundamental: de um lado para enfrentar os problemas do dia-a-dia, resolver conflitos, superar situações difíceis ou dolorosas; de outro, para criar novas situações, elaborar novas formas de trabalho, organizar a vida familiar e as ações comunitárias, aprender os conhecimentos que são ensinados na escola.
As atividades em qualquer domínio das artes envolvem a imaginação da mesma forma que ela é elemento essencial no desenvolvimento das Ciências. A imaginação é mola propulsora do desenvolvimento da cultura e do conhecimento humano em todas as esferas.
Por esse motivo, devemos aproveitar a Educação Infantil para desenvolver atividades curriculares que favoreçam a imaginação da criança, e, culturalmente, façam parte da infância — como brincadeiras, cantigas, poesias, histórias —, incluindo a prática de atividades criativas, tanto em Arte como em Ciências.
A Educação Infantil é a possibilidade escolar de formar na criança as bases que possibilitarão aprendizagens escolares futuras, na escrita, na leitura, na Matemática, na Física; enfim, em todas as áreas curriculares.
No entanto, para tudo isso ser eficiente na sua formação, é preciso trabalhar com estratégias próprias do desenvolvimento infantil e respeitar o tempo necessário para a realização de cada atividade. O desenvolvimento da imaginação na criança dependerá do entendimento que os adultos têm da infância e dos comportamentos próprios da idade.
(1)Adaptado de Como a criança pequena se desenvolve, da autora.
Elvira Souza Lima, pesquisadora especialista e consultora internacional em Desenvolvimento Humano. Formada em Antropologia, Neurociências e Psicologia, é doutora em Ciências da Educação pela Universidade Sorbonne, na França, e pós-doutora em Sociolingüística e Antropologia pela Universidade Satnford, nos Estados Unidos.


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